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Valéria

O “Encontro de mulheres de Valéria” - oficina de colagem ocorre no bairro de Valéria, em Salvador, a partir da articulação da moradora, pesquisadora/mestranda e integrante do grupo Margear, Zara Rodrigues. O encontro/oficina se desenvolve enquanto um dos produtos do Projeto de extensão “Da plataforma ‘Sentidos do morar’: ao seu alargamento nas margens de Salvador”, o qual compõe a rede de projetos de extensão “Habitar Margens"¹, coordenado pela proponente.

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Para entender o contexto do Projeto de extensão “Da plataforma “Sentidos do morar”: ao seu alargamento nas margens de Salvador”, retorne para página "O Projeto"

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O território

 

Antes de mergulhar na descrição do processo, é importante contextualizar o território que é local e objeto de análise deste fazer, sendo aqui chamado de território, tendo em vista que somente a delimitação geográfica que o define legalmente - os limites do bairro Valéria - não abarca todos os lugares os quais compõem a narrativa neste fazer. Tendo em vista, que estes lugares ou também são reconhecidos enquanto parte do bairro pela população ou possuem dinâmicas e relações sociais muito conectadas ao bairro. São eles: o bairro da Palestina, a região ocupada às margens da Lagoa da Paixão e o Bairro Nova Brasília de Valéria. 

Como demonstrado na cartografia anterior, o bairro de Valéria (atualmente) tem parte de seus limites definidos por duas importantes rodovias que cortam a cidade de Salvador, que são a BR-324 e a BA-528. Possui ainda, fronteira com o município de Simões Filho, mais especificamente com a área do Complexo Industrial de Aratu (CIA); com as macro-regiões de Pirajá e do Subúrbio Ferroviário; e com os bairros de Águas Claras e Palestina. Ou seja, ocupa uma região fronteiriça da cidade, bastante deslocada das regiões da orla atlântica e do Centro Histórico, territórios mais comumente associados à Cidade de Salvador no imaginário popular, nas mídias e nas produções acadêmicas. 

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Com uma população acima de 30 mil habitantes (segundo Censo do IBGE de 2010), o bairro possui ocupação caracterizada pela multiplicidade de tipologias. Sua densa ocupação residencial mescla-se à ocupação de indústrias de pequeno porte, transportadoras e grandes galpões que sediam empresas, além de mineradoras. Além disso, o bairro possui e tem relação direta com áreas de preservação ambiental, como a Bacia do Rio do Cobre e a Lagoa da Paixão, além de densas matas, os quintais e chácaras, fontes e corpos de água que reexistem. O adensamento do bairro se deu, tanto pelo processo de consolidação dos traçados das rodovias que o delimitam quanto pela ocupação por empresas, indústrias e transportadoras na década de 1960, acarretando em oportunidades de empregabilidade e, assim, em intenso êxodo da população do interior do estado para Valéria.

O Território
Contextualização

Contextualização

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A oficina ocorreu a partir do encontro de 8 mulheres moradoras do bairro de Valéria (incluindo a proponente) com o intuito de registrar suas narrativas de memórias familiares e reconhecer a história urbana do território a partir destes compartilhamentos, fazendo parte da metodologia da pesquisa de mestrado da proponente, mas também da vontade de conexão que parte de todas as participantes. A articulação de vozes femininas que contam a história do território inicia-se na pesquisa do Trabalho Final de Graduação (TFG) da proponente intitulado “Histórias de Valéria: fragmentos de memória e imaginação”, no qual foi possível confirmar e enaltecer as mulheres enquanto guardiãs da memória local e protagonistas no fazer cidade deste território.

Enquanto continuidade desta articulação, desenvolve-se o projeto “Artesãs de Valéria: mapeamento e web-série documental” coordenado pela proponente e por Sarah Borges, também moradora de Valéria e pesquisadora de moda, arte e comunicação. Sarah interessa-se em mapear estas mulheres artesãs entendendo a necessidade de fazer com que estas sejam vistas e mais (re)conhecidas no território. Já Zara, compreende o desenvolvimento deste mapeamento e da produção audiovisual como uma prática de pesquisa, a qual também comporá como um dos objetos de análise da sua pesquisa de mestrado. Mas, sobretudo, ambas compreendem a importância de construir narrativas que demonstram a potência das redes que se constroem a partir do fazer artesanato desde as primeiras ocupações no território. Foram mapeadas mais 70 mulheres artesãs, sendo possível conectar-se diretamente com 31 mulheres, e construir o audiovisual contando sobre 10 mulheres. Uma demanda que escutamos de boa parte das mulheres foi a de construção de formas de conexão entre elas, uma rede mais forte e colaborativa.

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Este trabalho foi muito inspirado no projeto “Mulheres que tecem Pernambuco” que pode ser encontrado através do link: http://mulheresquetecempe.com.br/.  O trabalho pode ser encontrado no link: 
https://www.historiasdevaleria.com  Também pode ser melhor compreendido a partir da matéria da Plataforma Entre Becos: https://entrebecos.substack.com/p/primas-se-unem-para-mapear-e-divulgar

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Fotografia retirada da matéria da Plataforma "Entre Becos": Primas se unem para mapear e divulgar as histórias das artesãs de Valéria

A partir das conexões com mulheres durante o TFG e com as artesãs de Valéria, e iniciando-se o projeto de Extensão “Habitar Margens”, propõe-se um espaço de encontro, diálogo e de produção de reflexões no qual consiga-se, tanto movimentar narrativas e memórias sobre o território (enquanto objetivo da pesquisa) quanto promover um espaço de trocas e afeto entre mulheres de Valéria. Neste encontro estiveram 8 mulheres moradoras de Valéria, todas vivem no território há mais de 15 anos. Estas foram escolhidas a partir do reconhecimento do protagonismo de suas articulações comunitárias, tendo uma trajetória e rotina de vida muito enraizada em movimentos e redes de atuações coletivas, dentro e fora de Valéria. São mulheres artesãs e artistas que possuem ligação indireta por conta dos trabalhos anteriores, mas sobretudo, pelas relações tecidas a partir dos afetos com a proponente, a qual busca expandir esses afetos em um espaço de trocas e acolhimento, como demonstrou ser, efetivamente.

Após, compreender os objetivos desta oficina, é importante apresentar as mulheres que compuseram esta roda de criação e memória, e contar brevemente sobre seus caminhos.

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Merildes

Merildes, com 60 anos, é nascida e criada no bairro do Candeal de Brotas, também em Salvador. Vive em Valéria há 20 anos, e fala sobre como este foi um território de recomeço em sua vida, o qual se sente muito pertencente. Não à toa é moradora referência das atuações coletivas, fazendo parte do Grupo de Mosaico Nossa Senhora Aparecida, junto a outras quatro mulheres moradoras de Valéria.

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Regina

Regina, com 54 anos, é nascida e criada na cidade de Senhor do Bonfim no centro-norte da Bahia. Vive em Valéria há 30 anos e é uma das principais professoras de artesanato do bairro. Aprendeu o artesanato com sua avó, lá no interior. Seu ensino do artesanato em Valéria é ferramenta política educacional, sendo consciente do papel da arte enquanto impulsionador social. Regina é uma política pública viva.

Processos Metodológicos

processos metodológicos

A oficina ocorreu ao longo de um dia de domingo, iniciando pela manhã e finalizando-se no fim da tarde. O local escolhido foi a casa da proponente em Valéria, que também é a casa de sua avó materna Avani e onde compartilha-se o quintal com a casa de Petruchka, esposa de seu tio e de outras familiares. O quintal de Avani é terreno de ocupação antiga no bairro, tendo sido habitado por, pelo menos, 2 gerações anteriores a ela. Deste modo, escolheu-se esse espaço familiar para construir uma atmosfera de segurança e intimidade. Mas também compreendendo a relevância histórica para o território e o quanto o espaço da oficina em si, já seria uma paisagem que desperta memória nas mulheres, tendo em vista que elas originam-se e convivem em contextos semelhantes a este.

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Foi pedido que elas levassem

fotografias de família que foram utilizadas,

juntamente a fragmentos de notícias e

fotografias antigas do bairro, enquanto

disparadores destas memórias cruzadas.

A utilização de fotografias de família como

ferramenta de pesquisa é utilizada por

Duarte (2008) ao colocá-las na centralidade

da investigação de sua própria família as

utilizando enquanto dispositivos disparadores

de memória, possibilitando "visitar"

momentos nunca vividos por ele, mas que

são relevantes na sua história familiar. Sob outra perspectiva, os álbuns de fotografias são utilizados por Silva e Braga (2019) enquanto forma de conhecer as biografias individuais, relacionando-as com a biografia coletiva da cidade, em um cruzamento reflexivo com a Antropologia Urbana.

Para criar ainda mais intimidade, a oficina desenvolve-se ao longo de um dia inteiro, para que fosse possível compartilhar refeições, sendo este momento, também, parte da metodologia. Todas as atividades se desenvolveram em único espaço, a área externa da casa que tem contato direto com o quintal, em uma mesa grande e centralizada na área. Nas paredes foram colocadas colagens que compuseram a narrativa do TFG  da proponente, bem como colagens desenvolvidas por outras integrantes do grupo Margear, ambas produções que objetivaram contar histórias de pessoas e territórios negros, bem como produzir reflexões acerca destes. Além disso, todos os materiais que seriam utilizados na oficina foram dispostos em uma mesa de apoio ao canto para que ficassem visíveis e despertassem a curiosidade e a ludicidade.​

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elaborações coletivas

Elaborações Coletivas

Utilizou-se os álbuns de fotografias de famílias das moradoras enquanto uma ferramenta disparadora de memórias e a construção de colagens – utilizando, fotografias, recortes de jornais, revistas e materiais de seus fazeres artesanais – enquanto uma forma de contar imageticamente estas histórias. Além de narrarem suas histórias de vida e suas relações com o território, a potência deste encontro se dá justamente pelo reconhecimento destas relações comuns, bem como no espaço de acolhimento e afeto feminino.

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Após reconhecimento destas biografias individuais, utilizou-se a metodologia de intervenção nestas fotografias a partir da construção de colagens, afim de criar uma narrativa imagética que possibilitasse o cruzamento das reflexões e histórias de forma potente e criativa. Este fazer dialoga com a reflexão de Mbembe (2019, p.20) o qual define que “a memória popular nunca conta histórias limpas, não há memórias puras, límpidas. Não há memória própria. A memória é sempre

suja, sempre impura − é sempre uma colagem”.

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© 2024 por Luísa Caria e Grupo Margear

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