
Atuação Equipe RAU+E
A Residência Acadêmica em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia (RAU+E) na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA), por meio do Curso de Pós-Graduação, articula atividades de extensão universitária com a formação na pós-graduação. O curso visa a Especialização em Assistência Técnica, Habitação e Direito à Cidade, para uma formação complementar, interdisciplinar e vinculada à garantia do direito constitucional de acesso à moradia digna.
A atuação da RAU+E vem sendo implementada a partir do apoio às iniciativas de entidades comunitárias e movimentos sociais de luta pela moradia popular, associações de bairros e organizações não governamentais de interesse público, que demandam assistência técnica na elaboração de projetos de autogestão, e que ocorrem através da mobilização das comunidades envolvidas. A residência lida com diferentes demandas comunitárias, que se configuram de acordo com a realidade e a temporalidade de cada território de atuação. É nesse contexto de atuação que a equipe de residentes, composta por Caroline Ribeiro, Flora Atilano, Leandra Ferreira, Maria Soalheiro e Mariel Pinheiro, chega às ocupações Alto da Conquista e Marielle Franco, organizadas pelo MSTB (Movimento Sem Teto da Bahia).
O grupo Margear, como agente da FAUFBA já atuante no território, funciona como meio de campo para a aproximação e início da atuação das residentes nas ocupações. Sendo também um agente fundamental com o qual moradores já possuem familiaridade. Além disso, o material produzido pela pesquisa do grupo e suas reflexões auxiliaram na inserção do grupo de residentes no contexto do território.
o censo
Como dito antes, as ocupações são coordenadas pelo MSTB, especificamente pelo Coletivo Mulheres Guerreiras Sem Teto, com o qual o grupo de residentes trabalha diretamente desde outubro de 2023. Esse coletivo é composto majoritariamente por mulheres negras, mães e trabalhadoras informais. Desde o início das ocupações, são elas que estão à frente das lutas, coordenam o conjunto de famílias sem teto, a organização do território, as obras coletivas, os conflitos familiares, as disputas jurídicas, os embates com o poder público e os momentos de enfrentamento direto, assim como as atividades ligadas à educação, alimentação, cultura, saúde e lazer.
A atuação da assessoria técnica, no entendimento do grupo e reforçado pela bagagem teórico-prática da RAU+E, envolve a construção conjunta do próprio objeto de trabalho fomentando a aproximação entre residentes e território. O início dos trabalhos no território foi marcado por um contexto em que percebia-se muitas necessidades nas ocupações. Houve dificuldade em encontrar um assunto que mobilizasse as mulheres de forma imediata ou uma demanda emergente que pudesse ser pautada enquanto atuação das assessoras, em conjunto com as mulheres, considerando o tempo e recursos disponíveis.
Com uma dinâmica de frequentar o território semanalmente estabelecida pelo grupo, para encontros com as Guerreiras, iniciou-se a construção de laços, o conhecimento do território, o entendimento dos desafios, potencialidades e sonhos como metodologia para orientar as possíveis contribuições do grupo no território.

Durante as dinâmicas de aproximação, o Censo Comunitário surge como tarefa futura e como objetivo a ser atingido no ano de 2024. Aplicado anualmente desde 2022, o Censo funciona como um cadastro das famílias pelo MSTB. Para as Guerreiras, o censo é ferramenta para acessar políticas públicas, reivindicar serviços, comprovar a quantidade de moradores em processos de disputa pela terra, receber cestas básicas e outros auxílios, além possibilitar o acompanhamento das mudanças demográficas do território.
O levantamento de informações sobre o território, entendido como resultado imediato do Censo Comunitário, é parte fundamental do trabalho enquanto assessoras e dialoga com outros processos em andamento: o Plano Comunitário de Gestão Socioambiental¹, o Plano de Ação do Programa Periferia Viva² e o Plano Metodológico elaborado pelo grupo na disciplina de Metodologias e Processos de Interação Comunitária, no primeiro semestre de residência. Apresentou-se então, um cenário frutífero de sobreposição desses três projetos, sendo o censo uma ferramenta importante para todos, como forma de levantar dados sobre o território de forma mais aprofundada.
[1] Um grupo anterior de alunos da RAU+E, junto de Juliana Santos, liderança do MSTB, submeteu um edital da CESE propondo um Plano Comunitário de Gestão Ambiental para as ocupações, focando em oficinas de quintais produtivos, captação de água da chuva e criação de galinhas, dentro dos temas da economia solidária e soberania alimentar. O edital foi aprovado no início de 2024 e o presente grupo de residentes se juntou a esse processo.
[2] Em 2023 a Secretaria de Periferias do Ministério das Cidades entrou em contato com a RAU+E e demais residências em assessoria técnica em universidade federais do país, para a execução do Plano de Ação Periferia Viva, a partir de um Termo de Execução Descentralizado - TED com a UFBA, e onde dentre os territórios nos quais a RAU+E está presente atualmente, as ocupações Alto da Conquista e Marielle Franco foram selecionadas pelo programa a partir de critérios como falta de urbanização, descentralização e/ou localização periférica, ausência de equipamentos e infraestruturas públicas, entre outros.
[3] No Plano Metodológico, produzido pelo grupo como trabalho final da disciplina de Metodologias da 5 edição da RAU+E, está indicado como parte fundamental o levantamento de informações: Produção coletiva de informações socioespaciais sobre o território -> Espacialização, mapeamento e caracterização do território -> Levantamento das condições ambientais e de habitação, e caracterização do território para formação de um arcabouço técnico que subsidiará os trabalhos de assessoria posteriores.
etapas do censo comunitário

março
abril
maio
Preparação
O questionário original foi reformulado para ampliar os temas levantados (com perguntas sobre coletividade, pertencimento, relação com o verde e com agricultura, apropriação dos espaços, uso de serviços, fluxos migratórios, saneamento e energia, perspectivas para o futuro) e inserir perguntas relevantes também para o Plano Comunitário de Gestão Socioambiental e para o Programa Periferia Viva.
O formulário foi submetido a avaliação das Guerreiras a partir de uma leitura coletiva das perguntas, um teste de aplicação e discussão sobre a relevância e complexidade dos questionamentos, formas de abordagem dos moradores e possíveis desconfortos que poderiam ser gerados e a possibilidade de inclusão e retirada de algumas perguntas.
Tecnologias aplicadas
O questionário original foi reformulado para ampliar os temas levantados (com perguntas sobre coletividade, pertencimento, relação com o verde e com agricultura, apropriação dos espaços, uso de serviços, fluxos migratórios, saneamento e energia, perspectivas para o futuro) e inserir perguntas relevantes também para o Plano Comunitário de Gestão Socioambiental e para o Programa Periferia Viva.
O formulário foi submetido a avaliação das Guerreiras a partir de uma leitura coletiva das perguntas, um teste de aplicação e discussão sobre a relevância e complexidade dos questionamentos, formas de abordagem dos moradores e possíveis desconfortos que poderiam ser gerados e a possibilidade de inclusão e retirada de algumas perguntas.
Kobo Toolbox

A partir da monitoria dada pela professora Patrícia, na disciplina de Tecnologias Sociais e Digitais Aplicadas, o grupo teve acesso a diferentes ferramentas para levantamento de dados sócio-territoriais, das quais optamos e sugerimos às mulheres a aplicação de porta em porta com a utilização da plataforma KoboToolbox. A plataforma proporciona o georreferenciamento dos formulários aplicados, permite a análise espacial dos dados e a criação de questionários que podem ser aplicados offline.
>>>>>>>> KoboToolbox é uma plataforma de coleta, gerenciamento e visualização de dados usada globalmente para pesquisa e ação humanitária, em apoio a sistemas e tecnologias de dados de código aberto. Seu uso é gratuito para organizações sem fins lucrativos.
OpenStreetMaps

O KoboToolbox atua em conjunto com a plataforma Open Street Map, onde foram adicionados os polígonos das edificações a partir da imagem de satélite do Bing, de 2023, para facilitar a localização das habitações durante e após a aplicação do censo.
>>>>>>>>O Open Street Map é um projeto de mapeamento colaborativo de dados abertos, com edição livre e acesso aos dados mapeados para qualquer usuário.
Qgis e mapa físico

Através da poligonal das ocupações produzida pelo Margear e considerando densidade habitacional e a otimização da aplicação do censo, foi realizada uma oficina com as mulheres para subdividir a área total do território, visando facilitar a localização das moradias e o controle das casas já recenseadas. A subdivisão resultou em seis áreas para a aplicação.


Teste de aplicação com o Kobo
Foi realizada uma manhã de testes com o aplicativo Kobo Collect na Área 1, em Alto da Conquista. A dinâmica de aplicação se deu com a presença de todo o grupo na busca de obter percepções coletivas sobre o processo de interação do formulário com os moradores.
Questão central da pesquisa censitária que surge: os questionários serem por moradia ou por indivíduo. Em versões que só permitiam as respostas de um indivíduo residente, não obteríamos dados como raça, gênero, idade, pessoas com deficiência e desempregados, formas de subsistências e nível de engajamento nas lutas coletivas, além das percepções individuais sobre o território e seu entorno.
>>>>>>>>>>>>>> Kobo Collect é o aplicativo de coleta da plataforma KoboToolbox, disponível apenas para sistemas Android.

Reflexão crítica sobre o Kobo
Mesmo oferecendo diversas opções de construção de perguntas e respostas para otimização no processo de coleta de dados, a plataforma não é tão intuitiva e requer atenção em detalhes de configuração do formulário para não gerar erros ou dificuldades na leitura das tabelas, gráficos e mapas gerados automaticamente. Além disso, ela é inteiramente elaborada em inglês. A plataforma proporciona o georreferenciamento dos formulários aplicados, possibilita a análise dos dados espacialmente e permite a criação de questionários que podem ser aplicados offline.
A escolha pela plataforma Kobo foi uma aposta na inclusão de uma tecnologia digital em um processo até então analógico. Nas experiências acadêmicas de inserção de tecnologias em territórios populares vários aspectos se sobrepõem: as dificuldades tecnológicas existem, a dificuldade de acesso à aparelhos é uma realidade, observa-se certa exclusão digital proposital na sociedade e muitas vezes a escolha da tecnologia por parte dos pesquisadores não é assertiva.
A opção pela plataforma Kobo ainda está em avaliação, mas algumas observações podem ser feitas. A demanda de trabalho digital para preparação dos questionários foi custosa inclusive para as residentes e pressupõe uma desenvoltura tecnológica considerável. Apesar de ser um aplicativo gratuito, é necessário um computador para a elaboração do questionário e muitas horas de trabalho. Entende-se que as guerreiras poderão utilizar o mesmo questionário nos próximos anos, no entanto considera-se a plataforma do Kobo pouco acessível nesse caso, percebendo a necessidade de apresentar outras alternativas às mulheres diante do desejo trazido por elas de permanecer na aplicação digital.
Aplicação
Antes de iniciar
Durante
A divulgação foi feita por mensagem no whatsapp, um cartaz impresso na Escola Carolina Maria de Jesus e a distribuição de mosquitinhos em uma caminhada.
Foram criados grupos de três pessoas para cobrir cada área, sempre com a presença de uma das mulheres, imaginando as guerreiras como mediadoras nas apresentações entre equipe e comunidade e as demais pessoas no preenchimento do formulário e guia da entrevista.



Formação sobre a aplicação
A aplicação do censo contou com mutirão de voluntários não fixos e, por isso, foi necessário a elaboração de um guia para o primeiro acesso ao kobo e de um momento de capacitação para explicar o uso da ferramenta e do mapa impresso.
Reflexão crítica sobre dificuldades
Transformar as características do território em dados quali-quantitativos não é simples e o caminho, na verdade, passa por perguntar o que se quer responder. Iniciou-se então o processo de tabular as perguntas, analisando qual dado cada uma delas gera e como essa informação pode contribuir para a ocupação. O que perguntar, apesar de ser uma questão central, levanta outra indagação: “Como perguntar?”.
Após cada dia de aplicação foi feita uma avaliação do processo e uma revisão dos dados coletados, o que culminou em ajustes nas localizações do Kobo, nos códigos associados a cada edificação e às modificações na ficha dos mapas físicos.
julho
Análise e divulgação
Após a finalização das aplicações, pode-se levantar os principais números sobre as ocupações. Foram mapeadas 238 edificações, sendo 53 em Alto da Conquista (contabilizando 22,27% das edificações do território) e 185 em Marielle Franco (contabilizando 77.73%). Destas 238 edificações, 87% foram levantadas, onde somam-se 165 edificações recenseadas, 25 desocupadas, 10 em construção, 1 com uso institucional e 6 se recusaram a responder. Restaram 31 moradias, sendo estas habitadas, porém sem possibilidade de contato durante as aplicações. Das 165 moradias recenseadas, 13 são de uso misto e 152 são apenas residenciais. Ao todo contabilizam-se 202 moradias, recenseadas ou não. Sobre a população, 392 pessoas foram recenseadas, dando uma média de 2,37 pessoas por família. Nas etapas seguintes, os demais dados e suas respectivas análises serão feitas de acordo com os seus públicos de interesse, ou seja, serão mapeadas e apresentadas informações para as ocupações e MSTB, Periferia Viva e para a Residência, de forma que o acesso às informações esteja em concordância com o caráter de sensibilidade das respostas coletadas e de como os dados podem contribuir para o trabalho de cada entidade.
Reflexões e desdobramentos
Conversa de encerramento
Debate reflexivo sobre todo o processo do censo orientado >
Quem conheceu novas pessoas no processo de aplicação? Quem aprendeu algo novo? E sobre o espaço das ocupações, vocês perceberam algo que não conheciam no território? Como avaliam as perguntas do censo? E o método e tempo de aplicação? O que sentiram sobre a receptividade dos moradores?
